terça-feira, 31 de agosto de 2010
Melro-d’água (Cinclus cinclus)
O dançarino mergulhador
Nas ribeiras torrentosas do norte e centro do país existe um passarinho gracioso e pouco conhecido por muitos ornitólogos – trata-se do melro-d’água. Este passeriforme, o único em toda a Europa que consegue mergulhar e nadar, é uma ave singular.
O melro-d’água é, sem dúvida, uma das espécies mais curiosas da avifauna portuguesa. Distribui-se sobretudo pelas terras altas do norte e do centro e, embora não possa ser
considerado raro, é geralmente pouco abundante e com uma distribuição bastante fragmentada.
O habitat do melro-d’água é muito característico: consiste, principalmente, em cursos de água de caudal razoavelmente rápido e águas límpidas, com rápidos ou pequenas cascatas.
A Serra da Estrela, devido à disponibilidade de habitat favorável, é uma das zonas onde o melro-d’água é mais abundante e, consequentemente, mais fácil de encontrar. Nesta serra, pode ser visto, por exemplo, ao longo do vale glaciar do Rio Zêzere e no Covão da Ametade; ocorre igualmente ao longo do Rio Alva, perto do Sabugueiro e ainda nalgumas represas acima dos 1600m de altitude. Nesta serra, também é frequente em levadas de água criadas para produção de energia eléctrica. Outras serras do norte onde a espécie se encontra razoavelmente bem distribuída são: o Gerês, a Peneda, a Nogueira e Montesinho.
Um comportamento invulgar
O melro-de-água gosta de pousar nas pedras junto aos cursos de água, enquanto procura a sua presa. Muitas vezes pode ser visto a “dançar” sobre as pedras, antes de mergulhar. Quando finalmente mergulha, nada velozmente, por vezes dando um autêntico “show” para quem o esteja a observar. Consegue mesmo caminhar sobre o fundo dos ribeiros. É uma espécie que está bem preparada para o Inverno e, nas zonas mais frias, pode usar o gelo como poiso antes de mergulhar nas águas gélidas. Durante os meses de Verão, quando os cursos de água que frequenta podem secar, é ocasionalmente observado a pescar nos pegos.
Alimenta-se predominantemente de macro-invertebrados existentes no leito dos rios, mas pode também consumir pequenos peixes.
Durante a época de cria o melro-d’água é uma ave fortemente territorial. Cada casal defende um território que se estende de forma mais ou menos linear ao longo de um curso de água. No continente europeu, as densidades de aves nos cursos de água com características mais favoráveis variam entre 1 e 20 casais / 10km, em função da disponibilidade de recursos alimentares e da existência de locais de nidificação.
A época de reprodução do melro-d’água tem início bastante cedo, podendo observar-se o comportamento de estabelecimento de território em finais de Fevereiro e havendo ninhos ocupados em meados de Março.
O seu ninho, feito de ervas e musgos, é construído numa cavidade, geralmente por trás de cascatas, em taludes e em gretas de rochas, mas também em construções, como levadas, túneis de saída de água, a estrutura de uma represa ou mesmo uma ponte.
Um ecossistema sensível
Devido à especificidade do seu habitat e à elevada sensibilidade do meio aquático, o melro-d’água é muito sensível à transformação das condições ambientais. Em vários países europeus, tem sido constatado o seu declínio em diversas zonas, devido à acidificação dos cursos de água, exacerbada por uma florestação excessiva dos terrenos circundantes com resinosas – estes factores provocam uma diminuição do número de invertebrados disponíveis para esta espécie e uma redução do cálcio nas fêmeas antes da postura.
Noutros países, a poluição industrial também tem sido apontada como factor de ameaça. Adicionalmente, os planos de irrigação e os empreendimentos hidro-eléctricos, ao provocarem uma redução dos caudais nos cursos de água mais favoráveis, também poderão ser responsáveis pelas regressões verificadas nos países do sul da Europa. No caso de Espanha, a contaminação e a alteração das zonas ocupadas por esta espécie também é apontada como sendo a principal causa de regressão do melro-d’água e do seu desaparecimento de muitos cursos de água.
Em Portugal não se conhecem estudos abrangentes sobre a situação desta espécie. Contudo, sabe-se que, na primeira metade do séc. XX, o melro-d’água ocorria nas imediações do Porto, nomeadamente nos rios Ferreira, Sousa e Ave, onde actualmente parece não ocorrer, possivelmente devido à crescente poluição que afecta estas zonas. Também no Parque Nacional da Peneda-Gerês tem vindo a regredir, devido à construção de barragens, à poluição de cursos de água e à destruição do coberto vegetal das margens.
Gonçalo Elias
QUERCUS Ambiente nº. 14 (Maio/Junho de 2005)
Imagens: percursos.webcomfort.org
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